Transposição: ir além de suas próprias convicções e certezas. Esse foi o tema do São Paulo Fashion Week 46, que não poderia retratar melhor o momento vivido pelos brasileiros. Em uma eleição considerada a mais polarizada dos últimos tempos, o SPFW contou com looks e manifestações não vistas em outras edições. “A gente está vivendo um momento de transição. Então transposição, transição, tudo isso tem a ver, e a gente reflete o momento político. A moda sempre reflete o momento em que a sociedade está vivendo”, diz Lilian Pacce, jornalista de moda. Lilian não foi a única a citar o reflexo na moda. A estilista Caroline Granstrom complementa: “eu acho que a moda em si, ela representa o cenário sempre que a gente ta vivendo. Seja ele econômico, seja ele político, seja ele social. ”
Para Caroline Granstrom na foto, entre Emerson Timba e Léo Bronk, a moda sempre representa o cenário atual da sociedade Foto: Isabella Puccini
“A moda é como um radar, captando e absorvendo as tendências antes de outros setores”, diz a jornalista de moda Lilian Pacce Foto: Flickr
A limitação da liberdade de expressão é um temor quase que unânime dos convidados. “Com o candidato eleito, a gente vai estar muito mais fechado, a gente não vai poder realmente se expressar como a gente quer. A liberdade de expressão vai ser uma coisa bem complicada. A gente vai estar realmente limitados de várias formas” diz Caroline. James Holies, modelo, afirma que muitas coisas que se viu nos desfiles e nos convidados não vão mais existir a partir de primeiro de janeiro, pois não vão mais ser aceitas ou toleradas. Quatro semanas após a eleição do presidente Jair Bolsonaro esse cenário já se concretiza, tendo em vista os 50 ataques contra mulheres e homossexuais.
De acordo com o modelo James Holies, muita coisa do que estamos vendo hoje, a partir de 1º de janeiro não vai existir mais e não vai ser mais aceito Foto: Isabella Puccini
O modelo Von Giller fala como se sente em relação ao evento e às eleições: “Se tudo der errado, ano que vem a moda pode ser bem retrógrada e conservadora, porque pouquíssimas marcas vão se levantar contra alguma coisa. Aqui no Fashion Week, com desfile de sei lá quantas marcas, uma marca teve um #elenão, uma mensagem de eleição ou ou teve um texto político em cima da coleção, sabe? A maioria das coleções são só uma belezona. Paz e amor, como se tudo estivesse de boa. Na verdade, não está. É como se as pessoas fechassem os olhos para o que está acontecendo e que vai interferir na vida de todo mundo. As pessoas não querem sair de cima do muro e não querem se posicionar”, diz. “Então eu acho que é quem dá a cara a tapa, é a bicha afeminada que ta lá na frente pra levar paulada, que é quem vai mudar as coisas. Então a gente tem que continuar resistindo e continuar fazendo nós, porque é esse o negócio. Não adianta a gente desanimar também, tem que ser resistência. E mais do que nunca, ser convicto do que você quer. Ter um posicionamento é importante e necessário. ”
“A minha intenção era vir com um look de protesto, mas eu sou baiana, sou nordestina e eu tenho medo. Quero chegar até o último dia viva”, diz Jéssica Bittencourt no SPFW 46, à esquerda na foto com Vanessa Bittencourt Foto: Isabella Puccini
“Não é um jogo de futebol que um ganha e o outro perde”, diz o modelo Von Giller Foto: Giovanna Tuneli
Por Isabella Puccini